O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Gente de seda, China de lona



11 meses de Toulouse. 5 meses que perdi meu pai. Após 10 dias na China me perguntei o que mudou desde o dia em que o beijei pela última vez. 2 respostas: nada mudou; tudo está diferente.

Nada mudou. Continuo sem ver-lhe, ainda sonho com ele todas as semanas, penso em ligar pedindo um conselho, sigo querendo contar tudo o que tenho feito. Sinto o cheiro dele vagando pelo ar, lembro de todas as expressões de alegria, tristeza, ansiedade...vida. Tenho crises de choro repentinas, vejo fotos sem parar, o amor continua inabalável.

Tudo está diferente. A começar por mim. Eu que sempre pensei que morreria junto com ele no dia que isso acontecesse. Estou aqui, viva. Não farei juízo de valor sobre como está a vida. Mas a verdade é que eu segui em frente. Sem clichês, nem demagogia. Alguns passos eu que dei, outros o universo deu por mim, outros ainda fui empurrada a dar. Sentido nem sempre eles fazem.



Assim como a China e seus 1 bilhão e meio de habitantes. Mesmo depois de se render à Mcdonaldização ainda passeia sobre mudanças e constâncias. Mudança porque é possível beber coca-cola tanto quanto se come noodles (o macarrãozinho chinês). Constância, porque mesmo depois da teórica queda da muralha comunista, o facebook, youtube, e até este singelo blog são proibidos.
Na verdade com dizem os professores de física, tudo é uma questão de ponto de referência. Portanto, deve-se olhar a China através de outro prisma que não o exclusivamente ocidental. A noção de limpo-sujo, barato-caro, bom-ruim, tristeza-felicidade me atormentava nas horas vagas, mas foi mesmo no mercado da seda (onde você compra tudo o que quiser, pelo preço que achar justo) é que parei para refletir sobre uma frase que ouvi da minha primeira psicóloga, há uns 10 anos atrás.

Há pessoas que são de seda, há outras que são de lona.

Eu que não muito conhecia sobre a seda, além dos vestidos das mocinhas das novelas e dos pijamas da Júlia Roberts. Tampouco sobre lona, aquilo que cobre os caminhões, tem cor laranja e faz parecer que todos levam a mesma carga.

na análise conversávamos sobre pessoas que são como a seda, diante de qualquer dificuldade ou tropeço se enrugam, ficam feias, se amarrotam. Já as de lona, segundo a terapeuta, quanto mais chuva levam, quanto mais são escovadas, mais brilhosas e bonitas elas ficam. Assim, dos 19 aos 29 me defini como uma pessoa de lona, que encara o que aparece, leva sacodes, aguenta as tempestades e não deixa a tristeza vencer. Definiria assim também as adoráveis chinesas trabalhadoras do mercado da seda, com toda aquela seda fiz uma amiga e ela me contou sorrindo, que aos 17 anos, ela e muitas outras trabalham de 9h às 21h, de segunda à segunda, com apenas uma folga mensal, ganhando o equivalente à 25 reais por dia...Portanto eu digo: elas são de lona! Além do chinês (até pra elas deve ser difícil) falam inglês e espanhol (ainda que como o cebolinha: um lelógio lolex custa tlês eulos) dão o sangue e te obrigam a comprar numa ginástica capitalista incansável, mesmo não ganhandonenhuma comissão para isso. Se são felizes eu não perguntei, pareceu ser muito natural viver assim e no fim das contas os chineses não esboçam demasiadas emoções, me parece que levam uma vida de lona vendendo seda.


Apesar de sempre ter admirado a definição da lona e no fundo, ter julgado aqueles de seda, eu me olho agora tão igual e tão diferente de 5 meses atrás. Tão mais frágil, tão mais seda. Mas afinal, qual o mal em ser de seda? Além de agradável, confortável, ela é sensível, delicada e mostra suas marcas. Qual benefício em ser lona? Toma chuva, sol, desbota, ninguém nota.
E quem disse que as pessoas tem de ser um ou outro? O bom é poder ser bonito e sensível como a seda, forte, inabalável como a lona. A seda nem sempre vai fazer pijamas e nem a lona será sempre laranja. A China vai continuar vivendo da seda mas ainda deve resistir à mudanças, como a lona. Já a Mariana, entrelaçou seda e lona, para seguir adiante, esperando que sua história e suas lembranças possam ser preciosas como a seda e porque não, eternas como a lona.