11 meses de Toulouse. 5 meses que perdi meu pai.
Após 10 dias na China me perguntei o que mudou desde o dia em que o beijei pela
última vez. 2 respostas: nada mudou; tudo está diferente.
Nada mudou. Continuo sem ver-lhe, ainda sonho com
ele todas as semanas, penso em ligar pedindo um conselho, sigo querendo contar
tudo o que tenho feito. Sinto o cheiro dele vagando pelo ar, lembro de todas as
expressões de alegria, tristeza, ansiedade...vida. Tenho crises de choro
repentinas, vejo fotos sem parar, o amor continua inabalável.
Tudo está diferente. A começar por mim. Eu que
sempre pensei que morreria junto com ele no dia que isso acontecesse. Estou
aqui, viva. Não farei juízo de valor sobre como está a vida. Mas a verdade é
que eu segui em frente. Sem clichês, nem demagogia. Alguns passos eu que dei,
outros o universo deu por mim, outros ainda fui empurrada a dar. Sentido nem
sempre eles fazem.
Assim como a China e seus 1 bilhão e meio de
habitantes. Mesmo depois de se render à Mcdonaldização ainda passeia sobre
mudanças e constâncias. Mudança porque é possível beber coca-cola tanto quanto
se come noodles (o macarrãozinho chinês). Constância, porque mesmo depois da
teórica queda da muralha comunista, o facebook, youtube, e até este singelo
blog são proibidos.
Na verdade com dizem os professores de física, tudo
é uma questão de ponto de referência. Portanto, deve-se olhar a China através
de outro prisma que não o exclusivamente ocidental. A noção de limpo-sujo,
barato-caro, bom-ruim, tristeza-felicidade me atormentava nas horas vagas, mas
foi mesmo no mercado da seda (onde você compra tudo o que quiser, pelo preço
que achar justo) é que parei para refletir sobre uma frase que ouvi da minha
primeira psicóloga, há uns 10 anos atrás.
Há pessoas que são de seda,
há outras que são de lona.
Eu que não muito conhecia sobre a seda, além dos
vestidos das mocinhas das novelas e dos pijamas da Júlia Roberts. Tampouco
sobre lona, aquilo que cobre os caminhões, tem cor laranja e faz parecer que
todos levam a mesma carga.
E na análise conversávamos sobre pessoas que são
como a seda, diante de qualquer dificuldade ou tropeço se enrugam, ficam feias,
se amarrotam. Já as de lona, segundo a terapeuta, quanto mais chuva levam,
quanto mais são escovadas, mais brilhosas e bonitas elas ficam. Assim, dos 19
aos 29 me defini como uma pessoa de lona, que encara o que aparece, leva sacodes,
aguenta as tempestades e não deixa a tristeza vencer. Definiria assim também as
adoráveis chinesas trabalhadoras do mercado da seda, com toda aquela
seda fiz uma amiga e ela me contou sorrindo, que aos 17 anos, ela e
muitas outras trabalham de 9h às 21h, de segunda à segunda, com apenas uma folga
mensal, ganhando o equivalente à 25 reais por dia...Portanto eu digo: elas são de lona! Além
do chinês (até pra elas deve ser difícil) falam inglês e espanhol (ainda que como o
cebolinha: um lelógio lolex custa tlês eulos) dão o sangue e te obrigam a
comprar numa ginástica capitalista incansável, mesmo não ganhandonenhuma
comissão para isso. Se são felizes eu não perguntei, pareceu ser muito natural
viver assim e no fim das contas os chineses não esboçam demasiadas emoções, me
parece que levam uma vida de lona vendendo seda.
Apesar de sempre ter admirado a definição da lona e
no fundo, ter julgado aqueles de seda, eu me olho agora tão igual e tão
diferente de 5 meses atrás. Tão mais frágil, tão mais seda. Mas afinal, qual o mal em ser de seda?
Além de agradável, confortável, ela é sensível, delicada e mostra suas
marcas. Qual benefício em ser lona? Toma chuva, sol, desbota, ninguém nota.
E quem disse que as pessoas tem de ser um ou outro?
O bom é poder ser bonito e sensível como a seda, forte, inabalável como a lona.
A seda nem sempre vai fazer pijamas e nem a lona será sempre laranja. A China
vai continuar vivendo da seda mas ainda deve resistir à mudanças, como a lona.
Já a Mariana, entrelaçou seda e lona, para seguir adiante, esperando que sua
história e suas lembranças possam ser preciosas como a seda e porque não,
eternas como a lona.