O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Era uma vez um pedido

Aniversário é sempre época de pedir, para falar de pedidos no aniversário dele, precisei falar o que representam os pedidos para mim...


Quando eu era uma garotinha, de cabelinho Playmobil, olhinho apertado e dentinho separado eu comecei a pedir. Quando a gente é criança, acho que a gente pede mais certo, mais sincero, o mais essencial. Eu pedia para o papai amar a mamãe e a mamãe retribuir, eu pedia para eles pararem de fumar aquelas coisas estranhas, eu pedia para os meus amigos gostarem da minha irmã, eu pedia. Numa conversa singela, destemida e despretensiosa, com alguém muito próximo, com alguém que eu sentia do meu lado. 
Os cabelos cresciam, os dentinhos caiam, o pé aumentava e meus pedidos continuavam. Pedia para ser a artilheira do futebol, a melhor goleira no hand, pedia para conseguir fazer bonito no tatame, para orgulhar meu pai. Eu pedia pra minha perna engrossar, meu bumbum diminuir, para minha mãe parar de querer me consertar. Eu pedia pra ela me achar bonita, eu achava ela linda. Eu pedia um 10 na escola, pedia por uma amiga triste, pela empregada alcoólatra. Pedia o sorriso daquele garoto no recreio, pedia pão de queijo todo dia, o bolo da vovó e os conselhos do vovô. Pedia o cinema com as tias, dormir na casa das amigas, fazer guerrinha de água e andar de patins o dia inteiro. Eu seguia pedindo e sinceramente não me lembro com exatidão quais desses pedidos Ele atendia, mas a cada dia que nascia, aumentava em mim a alegria e vontade de viver, de pedir e agradecer por cada segundo, tivera sido ele fácil, difícil, triste ou bonito.


Ah como eu pedi! Pedi para o Leonardo di Caprio ler a carta quiilométrica que nunca enviei, pedi para a Shakira ser feliz no amor, para a Lady Di não morrer, para a Cassia Eller continuar a cantar, pedi para o papa João Paulo abençoar o Brasil e pedi um castigo pro Collor, por ter me feito colar tantos adesivos na minha janela. Pedi pro Roberto Baggio perder o pênalti e pedi pro meu pai fazer um gol pra mim na faculdade. Pedi pra lembrar da matéria sem pegar no livro e pedi para o professor não ver a cola embaixo da minha régua. Pedi para minha mãe se orgulhar quando eu passei no vestibular, e não se envergonhar da Educação Física, pedi trabalho, pedi descanso, pedi férias, pedi aventura. Entre tantos pedidos, um dia resolvi pedir um amor. 
E comecei a pensar como seria o amor que eu deveria pedir, que qualidades eu pediria e quais defeitos aceitaria. Pensei, pensei, pensei e pedi, alguém que me amasse, me respeitasse, igual no discurso do padre. Pedi alguém que meu pai gostasse, alguém que gostasse da minha irmã e tolerasse minha mãe, alguém para quem meu pai me entregasse de branco e que desse a ele muitos netinhos. Eu nem sei como pedi, porque esse pedido em especial é muito difícil pedir. 



Para ter esse desejo concedido é preciso merecer, é preciso ter sido aprovado em todos os testes, é preciso ter sido paciente e sábio quando muitos dos outros pedidos não fossem atendidos. 
Hoje, 31 anos depois dos primeiros pedidos, eu vejo esses olhinhos azuis que eu não pedi, vejo carinho, cuidado, preocupação. Vejo intensidade, entusiasmo, entrega. Vejo calor, paixão, atração. Vejo namoro, noivado, casamento, bodas de papel, prata e ouro. Vejo planos, filhos, netos, bisnetos. Vejo atitude, segurança, serenidade e otimismo. Vejo bondade, família, laços fraternos. Vejo AMOR. Amor que nunca poderia pedir.... Amor que papai do céu me entregou de surpresa, quando não estava sabendo lidar com o amor. Amor completo, em harmonia, sintonia. Amor que nem parece real, parece de fadas, princesas e reizinhos. Amor que me faz acreditar no amor. Amor que me ama do jeito que eu sou, amor que me deu de presente o maior presente que eu posso dar ao mundo e que cresce a cada dia dentro de mim numa proporção que só saberei ao certo depois que estiver nos meu braços. Viva os pedidos, viva o amor, viva o aniversário do meu Zamô!!


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Terapias alternativas


Tem gente que medita, fuma maconha, cachimbo, enche a cara, tudo pra ter um barato. Eu, atualmente, faço terapia...e que barato que dá! Na verdade, quem lê o blog desde o começo sabe que a terapia faz parte da minha rotina há bastante tempo. Eu iniciei a análise aos 17 anos, segundo a minha mãe, para me ajudar a escolher a profissão (isso era medo da educação física, artes cênicas ou só instinto em amenizar os traumas que segundo Freud, todas as mães causam). Alguém comentou aqui uma vez que mães que não erram não são mães, estou plenamente de acordo, mas enquanto filhos nós nunca aceitamos isso. Mães a parte, eu topei tranquilamente a tal da terapia, sem rebeldias, lágrimas ou silêncio absoluto nas sessões. E falava, como falava. Acho que esse era um momento de apagar os incêndios do cotidiano, uma hora pra sentar num sofá fofinho (lá não era divã), olhar para o semblante da terapeuta, branquinha, cabelos bem escuros, já pintados para esconder os brancos, com marcas de expressão nos olhos e testa que mostravam toda sua experiência e compaixão pelos temas que eu levava. Depois ainda saía e brincava com os cachorros dela, que momento especial, era só meu. Nela passei uns 6 anos, até meu pai deixar de pagar o convênio, aí tive que parar.
 Fui buscar essa ajuda de novo uns 3 anos depois, mas em outra fonte psicológica, com outra pessoa e pagando do meu bolso. Indicada por um professor que muito admirava na faculdade. Me lembro do momento exato da chegada no consultório. Ela muito diferente (fenotipicamente) da antiga. Loira, cabelos compridos, olhos clarinhos, se vestia como na capa da revista vogue. Minha nova terapeuta era uma deusa. Me deu um abraço quando me recebeu, poderia até ter voltado pra casa aquele dia, já estava mais tranquila. Cheguei procurando ajuda para outra pessoa (minha amada genitora) e depois de mais de duas horas de sessão, a deusa me convenceu de que ela tinha que, antes, ajudar a Mariana. Bem aquela história da aeromoça, antes de colocar a máscara no coleguinha em desespero, coloque em você mesmo. E assim começamos uma parceria que dura (entre intercâmbios e vindas) 7 anos.

Terapia é igual religiao, cada um tem a sua, mas todo mundo tem uma opinião sobre a do outro. No meu caso, eu sempre recomendo a minha, queria que ela cuidasse de todos da minha família, dos meus amigos...Mas ela não pode normalmente. Tentei em vários momentos descobrir de que linha ela era, comportamental, psicanálise, como se o rótulo deixasse a terapia mais importante. Descobri outro dia conversando com a Carol, grande amiga e aluna de psicologia, mas como o rotular não é importante pra mim, não contarei pra você. A única coisa que sei é que a cada sessão buscamos um sentido para alguma coisa. E vamos fundo nesses sentidos, tão fundo que saio me perguntando o que fumamos antes de começar. É realmente demais perceber que você e o terapeuta constroem laços tão fortes que é como se cada uma levasse um pedaço da outra, e que todas as respostas que você achou que ela te daria, estão dentro de você, mas ela te dá ferramentas incríveis para encontrar e lapidar esses recursos.

Outro dia no trabalho, comentei com uma canadense que eu fazia terapia (por Skype) e ela ficou horrorizada com a minha naturalidade em falar disso. Não entendi, a terapia deve ser um segredo? Motivo de vergonha?
Nem preciso ir muito longe, quantos colegas tenho que tem pavor a um terapeuta, acorrentados ao clichê “isso é coisa pra maluco”.
Para mim, maluco é quem negligencia a oportunidade de se conhecer de verdade, de descobrir toda sua riqueza interior, de ter para si um olhar transparente. Maluco é quem não dialoga, quem vai pra rua sem saber porque, quem não encontra sentido no mundo porque nem sabe onde mora o seu. A terapia faz o tal do gigante despertar na gente e de repente descobrimos que esse gigante é muito maior que imaginávamos, mais forte e coerente. Um gigante que briga pelo que quer e acredita, um gigante que acredita. Acredita inclusive que a terapia pode ser uma alternativa.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Habemus 30

Tenho 30. Sim, 30 anos. Ontem não foi meu aniversário, nem será amanhã, já foi há 8 meses inclusive, mas acho que agora estou realmente me sentindo uma mulher de 30. Não pelos fios brancos (incrivelmente inexistentes até agora), não pela marcas de expressão que já aparecem, não pelas adoráveis celulites que me acompanham, nem pela imensa vontade de ser mãe. A ficha está caindo agora, quando estou tentando digerir a ideia de que minha irmã mais nova e única pretende se casar.
Ok, para algumas pessoas isso pode parecer perfeitamente natural, a irmã caçula se casar antes da mais velha, qual o problema? Nenhum, se não fosse a Fabi. Para contextualizar vou tentar resumir os 28 anos de existência da minha irmãzinha em algumas linhas. Ela nasceu quase dois anos depois de mim, meus pais eram casados, nós morávamos no Rio. Minha mãe não tinha os hábitos mais saudáveis para uma grávida (um dia volto nesse assunto) e a Fabi veio ao mundo cheia de problemas respiratórios, dificuldade para mamar, reflexos lentos, até que após inúmeros exames e mapas genéticos, descobriu-se a síndrome de Rubinstein Taybi. Assim como a maioria das pessoas, meus pais, nem eu sabíamos o que isso queria dizer ou implicaria na vida da Fabi e nas nossas. Para eles o impacto de ter uma filha deficiente, para mim inicialmente, era vê-los com ela no colo para cima e para baixo, em médicos, hospitais e clínicas de reabilitação. Na prática isso implicava em pouca atenção pra mim. Foi aí, muito cedo, quando eu comecei a me virar "sozinha". Nós fomos crescendo juntas, ela descobrindo o mundo pouco a pouco e eu ajudando ora por vontade própria, ora obrigada por eles. Não posso negar que limpar a bundinha robusta da minha irmã, sobretudo na minha adolescência era bastante desesperador. Gritos de "Mary, já acabei!!!" a parte, cada passo dela era uma vitória, desde comer a comida sozinha, até a leitura da primeira palavra. Tudo era difícil pra ela e meus pais naturalmente não sabiam como educa-la. Entre a superproteção e o abandono cresceu a Fabiana.
Nós, como todos os irmãos, brigávamos bastante, dividimos o mesmo quarto até os meus 17 anos e ela tolerou pacientemente todos os meus posters do Leo di Caprio espalhados nas paredes. A convivência com a madrasta impulsionou a autonomia dela e uma revolta interior também, nem mesmo a música sertaneja era capaz de acalmar a Fabiana em momentos de fúria. Aí quebravam-se os óculos, as portas, os armários e claro, nossa paciência e nossos corações. Todos conviviam com suas nuances carinhosas e agressivas, mas a característica "inteligência" sempre foi muito marcante. Eu sempre me diverti dividindo as famosas pérolas da Fabi. Frases do tipo "Moço, me dá uma colxinha, uma espirra e um risólho (1991) "Não é possível agradar negros e coreanos" (2003) ou a última sobre filmes para adultos "Mary, ela colocou o pinto do homem na boca dela, que porca!”(2012), essas entre outras, são comumente proferidas pela minha irmã, que apesar da síndrome, conversa comigo de igual pra igual, ri comigo das abobrinhas da nossa mãe e claro, depois da partida do meu pai, depende emocionalmente e financeiramente de mim.
Desde pequena eu sabia que um dia isso poderia acontecer, mas sinceramente, não achei que seria tão cedo, assim...nos meus 30. Apesar da Fabi ter tido muitos amores platônicos (Zezé di Camargo, Junior da Sandy, Fábio da novela Jamais te esquecerei, Pedro dos Rebeldes) ela nunca teve um namorado sério e eu inocentemente ou ignorantemente achei que isso não aconteceria com ela. Péeeem! Engano meu!
Atualmente ela vive num residencial para pessoas com deficiência intelectual chamado Aldeia da Esperança, onde ela tem sua própria casa, seus amigos, seu trabalho e sim, seu namorado! Ela tem 28, ele 58 e ela me contou os números da idade dele como se contasse os dedos da mão ou quantos sanduíches acabou de comer, ou seja, espontaneamente, sem qualquer desconforto ou surpresa. Surpresa a minha ao saber, e ao ouvir a resposta dela "Mary, o amor não tem idade".
Fui conversar com ele sobre as intenções com minha irmã e registrei que sou do ramo do jiu jitsu, ele enfatizou que a ama muito e que vão se casar em 2019. Não entendi se é uma data cabalística, mas acho que é um tempo razoável para eles se conhecerem e avançarem aqueles sinais. A mãe dele (82 anos) me confidenciou que acha muita responsabilidade para o filho dela deflorar uma mocinha e eu me pergunto: Hã, minha irmã deflorada?!
Ok, eu juro estar tentando equilibrar o desespero e a emoção. Por ela estar crescendo e alguém querer por a mão nela.
Talvez a sensação dos 30 seja por perceber que ela também amadureceu e está seguindo sua vida, talvez isso deixe nosso passado só no passado, junto com nossa infância, com nosso pai. Talvez agora ela possa entender o que é ser adulto, talvez possa encontrar as válvulas de escape que nunca teve, talvez ela possa ter alguém que entenda sua história e que olhe para ela somente como uma linda mulher, talvez ela encontre a razão que muitas vezes pareceu perdida e alguém para compartilhar dessas razões.
Talvez 28, 58, 82 e 30 sejam só números e a sensação que estou sentindo agora, só coisa de irmão. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

É proibido segurar as vacas



Primeiro post do ano, meses sem postar, quantas palavras deixei passar, quantas histórias sem contar. Ficaram para trás, eu fui em frente e agora vejo em minha frente o papel em branco começando a ser tatuado por aquilo que meus dedos não se impedem de gravar. Reporto-me a um poema de Neruda, enviado por uma amiga que exala a vida. Segundo eles é proibido fazer muitas coisas, entre elas, "esquecer aqueles que gostam de você, ter medo de suas lembranças, chorar sem aprender, é proibido esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos desencontraram, é proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar..." e as proibições continuam num fluxo infinito de reflexões sobre passado, presente, futuro, sobre os presentes que nos deixa o passado e o como eles podem continuar presentes em todos os futuros. Aquilo que não escrevi, posso te contar de muitas maneiras, sempre com a essência estrábica do meu pensamento, na tentativa de não cultivar o "tempo sem tempo" ao qual se referem os espíritas. Sendo assim, se existe um tempo e a dona dele sou eu, nada melhor do que poder sentar e dar vida ao papel pálido, ao blog abandonado e aos leitores silenciados.
Depois do último post fúnebre e sarcástico, me parece uma obrigação falar da continuação do ciclo, dessa vez não citarei as resoluções do ano, mas as mudanças e transformações, as quais não me proibi de viver. Inevitável falar de dor. Dói mudar. Dói cortar aqueles cinco dedos de cabelo, dói arrastar os móveis, lascar o espelho, dar aquela calça que não cabe mais. Dói deixar os laços do último emprego para trás (no caso de quem conseguiu cultivar boas relações), dói se desfazer dos bens de quem já se foi, dói não ver aqueles amigos todos os dias. Dói trocar o kimono velho, não lutar no mesmo tatame. Dói ver sua família só pelos retratos, dói perder pedaços. Não é proibido sentir dor, quem sente dor tem compaixão, empatia e amor, só sente dor quem ama. Nesse caso a maior proibição é para não cuidar da dor. É proibido conviver com a dor. Por isso a mudança, para que não se torne um hábito sofrer de dor.
Nesses meses eu vi como a vida pode mudar. E como as nossas mudanças são capazes de mudar a vida de quem cruza, não por acaso, nosso caminho. Cito a história do filme argentino (Um conto chinês) que ainda não vi, mas escutei falar mais de uma vez essa semana, acredito que também, não por acaso. Um chinês prestes a ficar noivo num cenário perfeito, quando uma vaca, sim, a Dona Mimosa, cai do céu e mata sua noiva. O pobre chinês, vítima do animal volante, se vê na argentina e sua vida muda completamente, assim como a das pessoas que com ele se relacionam. Deve ser no mínimo curioso assistir. Uma das explicações que recebi é que depois do filme você é levado a compreender que ver a esposa do boi cair celestialmente, pode ser mais normal do que se imagina.
E quantas mudanças eu poderia detalhar aqui! Desmanchei um longo noivado (no meu caso não foi culpa da vaca), minha irmã está namorando (com planos de se casar em 2019), minha mãe disse que vai procurar um trabalho (espero que durante o dia e sem nome de guerra) e eu estou me adaptando e tentando me descobrir depois das mudanças físicas e sentimentais. Não vou dizer que elas são como a água, inodoras, incolores e insípidas, muito menos indolores. Mas me proibido dizer que são ruins, me proíbo impedir que aconteçam, me proíbo olhar pra baixo, me proíbo enrijecer. E me permito... tatuar papéis e pensamentos, olhar nos olhos e “no” céu, para compreender as tempestades e possíveis vacas que vem de lá.