O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A rapoza e o príncipe

Os 35 graus quase cotidianos de Toulouse no verão vem despertando em mim cada vez mais satisfação em estar aqui, tanto pelo numero de pessoas na rua, (no inverno a cidade parecia tão desabitada) quanto pela dúvida de continuar que ainda paira diante das incertezas familiares. Andar de bicicleta tem mais sabor, o vento que bate parece mais fresco, o sol se poe mais colorido, os dados do doutorado se enriquecem, o francês já sai com mais facilidade, a comida é insuportavelmente boa, o olhar no espelho é melhor refletido, o treino de jiu jitsu é mais prazeroso, os amigos já são amigos...



Tudo isso me faz lembrar uma passagem do meu livro de cabeceira "Le petit prince" já lido e relido agora em versão original (ainda com ajuda do google de vez em quando). Existe uma conversa entre a rapoza e o pequeno príncipe sobre o significado do verbo "apprivoiser"...Em português traduzido como "cativar" e eis a frase famosa, muitas vezes banalizada "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Em francês, esse verbo inicialmente tem o sentido de domar, domesticar, amansar ou ainda se familiarizar progressivamente ou reduzir as reticências de alguém. Antes de chegar ao clichê a rapoza tenta explicar ao princípe como se "apprivoise" alguém...Primeiro sendo paciente para a cada dia se sentar mais perto da pessoa, trocando só alguns olhares, depois algumas palavras, até que quando menos se espera você já o "apprivoisé". O curioso é o príncipe não entender o porquê de se fazer isso quando se sabe que o outro vai partir; e a rapoza esclarece que mesmo após a partida daquele que foi "apprivoisé" (entenda-se cativado) a possibilidade de poder se lembrar com ternura daquilo que se viveu ao lado do outro já faz valer a pena cativar e ser cativado. E pra mim essa é a delicadeza mais verdadeira do processo de se apegar a alguém.

Por isso meus maiores presentes são sempre as pessoas que conheço, não importa em qual lugar do mundo, qual sua religião, alimentação, mania, defeito ou qualidade. Poder guardar poucos ou muito momentos com alguém que te cativou, te torna responsável por estas lembranças...Então acho que posso dizer que pouco à pouco eu fui "apprivoisé" pela França e tudo de bom que há nela e essas lembranças agora já são parte da minha história e sempre, eternamente, valerão  a pena.

sábado, 11 de junho de 2011

O jardim dos porquês


Acho que todo mundo tem na vida aquela pessoa sem a qual não imaginamos a nossa existência. Talvez algumas pessoas tenham mais do que uma. Não me refiro à namorados, maridos ou companheiros. Na minha vida essa pessoa é meu pai, meu salvador, meu irmão, meu parceiro de todas as horas.
Já vivi muitos momentos que pareciam ser os mais tristes da minha vida e que isso não soe como uma reclamação ou um melodrama. Entretanto, acho que nunca tive muito tempo para perguntar os “porquês” . Porque tenho uma irmã deficiente? Porque minha mãe não tem jeito de mãe? Porque ela abandonou as filhas? Porque a minha irmã não entende isso? Porque eu tenho que ser mãe delas? Porque eu tive que internar minha mãe a força? Porque minha irmã entrou em coma quando eu estava sozinha com ela? Porque, porque, porque? E que se danem os porquês... Juro que nunca fiz tantas perguntas como agora. Mas nem quero saber as respostas... Descobri que tenho em mim um solo fértil de onde brotam flores coloridas e arvores fortes cheias de entusiasmo, energia, sorrisos...Isso também não sei porque, mas talvez responda porque já consegui tantas coisas maravilhosas até hoje.
Ontem, dia do aniversário do meu pai, eu tive uma notícia e aí sim, eu questionei o “porquê” e me senti no momento mais triste da minha vida. Aquele cara, que apesar dos tropeços, protegeu o solo Mariana do vento, do sol, dos monstros, regou aquelas plantinhas, as ensinou fechar os olhos quando tudo estivesse de pernas pro ar...Aquele cara que semeou muitos outros sentimentos, adubou o terreno “filhas” com alegria, de coração aberto....Aquele cara, aquela pessoa responsável por quem eu sou hoje, está agora no hospital, com leucemia, sendo espetado por mil agulhas, enfermeiras e médicos... Poderia colocar aqui tudo que estou sentindo agora e talvez por isso tenha começado a escrever, mas sinceramente ainda não sei o que colocar.
Porque? Deve haver um possivelmente, talvez eu nunca descubra, não faz mal. Por enquanto vou regando meu jardim com minhas lágrimas, esperando o sol nascer de novo trazendo novas perguntas. De qualquer forma: Eis o mistério da fé!