O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Quando meu tempo era livre eu não era livre no tempo


Quando eu tinha tempo livre gostava de andar de bicicleta que nem loca na rua de casa, brincava até ficar bem escuro e alguém gritar do portão Mariaaaaaana entra! Fazia teatrinho com as latas de milho, leite moça e creme de leite da dispensa. Eu tentava ensinar a Fabiana a ler e amarrar seu cadarço sem me perturbar. Na adolescência eu ia pra banca comprar pôster do Leonardo di Caprio, ia colar nas minhas paredes e assistir Romeo e Julieta com Titanic me debulhando em lágrimas de amor verdadeiro. Ia pro Jiu Jitsu na escola e na academia, treinava duas ou até três vezes no dia, comia seis pães com requeijão e só parava porque acabava o pão…
Quando tinha tempo livre, saía para correr com os cachorros, andar de patins com as melhores amigas, brincava de fazer missão na garagem do prédio. Eu  queria bater recordes de abdominais e com frequência ficava no quarto contando, 1000, 1500 e saía gritando orgulhosa da minha performance. Às vezes eu estudava, lia "Os caras" e a coleção do Pedro Bandeira, subia a goiabeira do quintal fugindo das chineladas da mamãe. Eu ia tomar sorvete com as amigas da escola, eu tentava aprender idiomas diferentes. 
Eu ia no Conservatório, no Jah, no Planeta 7, na boate do Tênis. Na faculdade eu ia para as festas, congressos, aulas nos outros institutos…eu namorava, brigava com o namorado, saía mais forte, me apaixonava de novo…Naquela época eu achava que não tinha tempo livre, mas comecei a andar de moto, pegar aquele ventinho na cara e quando precisava ficar sozinha ou sair para pensar, aquele era meu momento. Com tempo livre comecei a tocar violão, passava horas tentando trocar de lá pra ré, mi pra lá, e podem rir, "Poeira" foi a primeira música que aprendi (sozinha) e assolou meus amigos por meses a fio.
 Quando tinha tempo livre eu ia acampar, decidir onde e com quem seria o reveillón, como parcelaria a viagem de carnaval. Eu chegava cansada do trabalho e deitava. Podia ver televisão, ler meus livros, escrever no blog sem ser interrompida ou alguém digitar mil caracteres enquanto tento me concentrar. Eu comia com tranquilidade, me arrumava com calma e trocava de roupas o quanto minha paciência permitisse. Eu andava de skate e não me preocupava se saísse ralada. Eu ficava gripada mas continuava dormindo de cabelo molhado, tomando gelado. Eu morava fora e me despedia do Brasil sem ficar olhando para trás. Eu fazia novos amigos e mais novos e muitos outros. Eu me despedia de novo, recomeçava quantas vezes fossem necessárias. Eu jogava bola com os meninos da academia, ficava até o fim dos churrascos, chegava em casa de manhã. Como eu tinha tempo livre! Como eu era dona do meu tempo!
 
Era tão senhora do destino que decidi ter um filho, para preencher esse vazio, esse tempo com tempo de sobra. 
O que não imaginava era que podia me arrepender de abdicar desse tempo, podia inclusive querer voltar atrás para pelo menos apreciar meu sagrado café em silêncio, por exemplo. 
Que reviravolta essa decisão me causou, que caos minha rotina se transformou. Era como se não existisse mais eu, mais casal, mais vida. Tudo girava em torno daquele pacotinho que se desvendou um liquidificador de tampa aberta ligado na tomada 220v, 24 horas por dia. 
Com tudo que contei acima sobre o tempo livre, ingenuidade achar que geraria alguém tranquilo, aquele "menino bonzinho" igual da sua amiga. Ele veio da famosa pá virada, mulambento, trombadinha, mas carinhoso. E acabou com meu sossego, com minha pseudopaz, com meu tempo livre.
 
Tem dias que queria colocá-lo de volta na barriga, ou apenas me trancar no banheiro deixando o mundo do lado de fora. Aí vem as mordidas, os puxões de cabelo, os "desmaios" no meio do restaurante, do shopping e qualquer outro lugar onde você se
sinta bastante constrangida e julgada. 
Será que foi a genética ou o frenesi da gravidez? Fui eu que errei? Seria pedir muito dormir a noite inteira depois de 1 ano e 9 meses? Lógico que sim, demos graças que a asma deu uma trégua e nosso pequeno talibã, digo, talismã, está saudável, tudo isso é saúde! Benza Deus!
A mãe e o pai aos trancos e barrancos tentam se manter saudáveis, como casal e seres humanos e quando o pimentinha se aproxima sorrindo, gargalhando ou me abraçando, pronto, eu esqueço a porra toda, meu coração se perde no tempo, livre e ocupado,  esse tempo pára e eu volto a me sentir uma boa mãe, sem culpa de cobiçar o tempo livre alheio.