Eu na eminência de
retornar a Toulouse para tentar fechar mais um ciclo desta turbulenta vida.
Difícil mesmo é não ter a certeza de que as coisas vão acontecer até alguns
meros minutos antecedentes a elas. Assim o planejamento, a organização e porque
não dizer, a motivação, parecem ir se esgotando e gotejando. Realmente, dois
meses estão para Mariana assim como dois anos estão para a Ciclana. Cada
capítulo um ou milhões de acontecimentos, cada semana uma ou centenas de
reviravoltas, cada mês tantas histórias e tantas dúvidas.
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Início do caminho de Santiago - Espanha/2008 |
Sem entrar muito no
juízo religioso, vou me ater a alguns sentimentos borbulhantes no momento. Sou
católica, batizada e catequizada. Não porque meus pais me obrigaram, ou porque
eram adeptos e me levaram. Não. Eu pedia à minha avó para ir a missa com ela,
para me matricular no catecismo, para me ensinar o credo e a ave-maria.
Inclusive, ouvi da minha biza, aos 12 anos que eu tinha vocação para seguir os
passos de santa Mariana (uma menina que se tornou freira também nessa idade).
Contei para meu saudoso paizinho e logo depois fui matriculada no jiu jitsu.
Ok, segui a vida e canalizei minhas vocações e atributos em outras atividades
nem tão "puras e canonizadas", mas “de bem”. E sempre "caminhei
com fé", valorizando os momentos de alegria e me preparando para os
frequentes furacões. Mas hoje, venho por meio deste, fazer uma
confissão, fora da igreja e longe dos padres.
Estou com medo. Medo de perder a fé.
Eu sei que o tempo
de Deus (como dizem os que Nele acreditam) é diferente, que quando você acha
que não vai aguentar, uma força estranha, vem e deve ser de lá. Também sei que
não adianta tentar entender e perguntar "porquê", mas "para
quê" e por aí vão os saberes populares, religiosos aos quais a gente se
apega, muitas vezes só para ter algo a se apegar. O problema é que nos momentos
difíceis todo mundo quer te dizer alguma coisa, na urgência de te ver bem. E
aí, muitas dessas pessoas não percebem que economizar palavras nessa hora pode
ser muito mais útil e confortante. Só a companhia, o estar ao lado ou segurando
no colo, já são mais do que suficientes. Então, por favor, não me venha com
esse papo de que Deus não nos dá um fardo maior do que podemos aguentar. Mesmo
que seja verdade, ou que você acredite com todas as suas forças, eu te suplico:
não me fale mais isso.
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Exausta, até as vacas estavam mais dispostas |
Como não pedir a
Ele explicações sobre o tamanho e o kilos dos benditos fardos? Onde está o
manual “Aprenda a lidar com seus fardos em 5 semanas”? Ta bom, que sejam 30
anos, mas a vida inteira para saber O QUÊ fazer com eles não seria demais?
Mais uma confissão:
essa semana eu anunciei, Aqui jaz uma
pessoa paciente.
Outra confissão: eu
amo esses fardos. Amo de verdade e tudo que fiz até hoje foi movida por esse
amor.
Uma explicação: na
fase atual estou me referindo à minha irmã, que tem síndrome de Rubisntein
Taybi, é mais inteligente que eu e a família inteira, está triste e desmotivada
a viver. Não quer ir para escola, cuidar da diabetes, se divertir, seguir em
frente. Desde que chegamos em Campinas sua razão de acordar para mais um dia é
ver a agradável novelinha dos Rebeldes.
Outra explicação:
me refiro também à minha mãe que desde a separação do meu pai (há uns 10 anos)
desistiu completamente de viver. Suas razões para acordar são a falta de
calmante para continuar dormindo. E quando acordada suas maneiras de fazer o
dia passar são me ligando 30 vezes por hora, dizendo as mesmas coisas e pedindo
tudo que não faz sentido.
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Peregrinos amados |
Portanto, essas
duas explicações juntas resumem meu dia-dia e minha incansável tentativa de
fazê-las querer voltar a vida, cada uma do seu jeito. E eu venho tentando,
pedindo ajudas e aceitando também de todos os lados e religiões. Mas essa
semana, quando ainda fui bombardeada por advogados me coagindo a confessar, não
pecados, mas dívidas que não são minhas, eu pensei...Vou jogar a toalha. E
nessa hora, fui lembrada que se eu fizer isso, posso ser judicialmente
indiciada por abandono de incapazes. Uau, emocionante, não é mesmo? A justiça é
surpreendentemente... “justa”!
Entre uma reza e um
choro, um pecado e uma confissão, uma benção e um castigo, eu juro, que temo
fraquejar. Mas imploro de joelhos que a fé não me deixe, que a paciência
ressuscite ao terceiro dia e que o amor resista ao peso inexplicável das
cruzes.
As fotos do íncrivel e longo caminho de Santiago
realizado em 2008 ilustram religião, força física e psicológica na companhia de
pessoas muito especiais. Qualquer semelhança com o momento atual não deve ser
mera coincidência.