O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

terça-feira, 27 de março de 2012

As tatuagens que Toulouse fez em mim

Fiz uma tatuagem! Sim, uma mudança ou um "adendo-adorno" pra sempre. Porém, antes de falar mais sobre esse evento, queria só expressar a minha aflição em relação aos outros eventos antecedentes e concorrentes a este. Nem me refiro ao bom caráter da empregada que contratei para cuidar das meninas, que deu o ar de sua graça duas vezes e embolsou o dinheiro do transporte, muito menos ao retardado maníaco-religioso que assassinou as crianças na escola de Toulouse (para esse eu não tenho nem palavras). 

Estou falando do congresso internacional em Artes Marciais e Esportes de Combate, que tirou meu sono por algumas semanas, não por eu ser da comissão organizadora, nem por fazer horas a fio de tradução simultânea francês-inglês. Não! A responsável pela minha agonia descontrolada foi a bendita apresentação do trabalho que desenvolvi em Toulouse durante esse 1 ano e 3 meses. Eu que nem descobri o bebê de proveta, a cura do câncer ou um novo aplicativo pro Ipad. Eu só estudo o ensino dos esportes de combate na universidade e para pessoas com deficiência. E assim mesmo, a idéia de fazê-lo em francês estava me engolindo. Mesmo sem ter muitos problemas para falar em público e para muita gente, confesso: estava com dor de barriga antes do congresso. 

Perto de chegar minha hora, recebo um email da assistente social dizendo que a situação mãe-irmã estava um caos (bastante tranquilizador), minutos depois entram na sala os dois professores que analisei no meu trabalho com seus respectivos alunos, recém maiores de idade, para assistir a brasileira, única mulher do evento. Legal pensar que a sala estava cheia, (principalmente para uma leonina como eu), o problema foram os olhares dos professores durante minha reflexão sobre seu jeito de dar aula e, claro, os adolescentes infelizes que nunca viram outro sotaque além do francês toulousain. Entre testas franzidas e risadinhas no fundo da sala, eu me aproveitei do estrabismo para olhar "torto" aos que estivessem tirando minha concentração.
Balanço final: escutei alguns "bravos!" da platéia, passei 6 minutos do tempo permitido e ouvi do meu orientador que eu havia teatralizado a apresentação. Francês é um bichinho difícil de agradar! 
E assim foram as apresentações (teve outra além dessa) e junto com elas o peso das minhas costas!! Tive o privilégio de conhecer pessoas incríveis, rever pessoas queridas,  me aproximar de quem pouco conhecia. Saldo extremamente positivo!
E mesmo tendo que terminar a escrita do trabalho, aproveitei esses últimos dias para curtir intensamente os amigos que fiz aqui, obviamente, o melhor e maior presente de se morar no exterior...Além das lembranças... como a tradução em francês diz: o "souvenir" mais único, pessoal e eterno.
Por isso volto ao tema da tatuagem. Ouvi que se tatuar é coisa de gente imatura, gente louca, gente cool, gente grande, gente boa, gente à toa...sempre quis ter uma, mas nunca tive nada muito profundo ou especial para marcar em mim. Até não poder mais caminhar ao lado do meu pai. Então a vontade veio naturalmente, no intuito de deixar em mim a marca do amor mais lindo que já vivi. 

Por hora, vou fechando meu percurso e minhas aventuras (apenas) em Toulouse, levando na minha mala muito mais do ela pode carregar, mas tudo que cabe e transborda em mim e que desejo levar. Toulouse me tatuou teorias, livros, músicas, comidas, perfumes, pessoas, aprendizados, tombos e superações. 
Obrigada por ter  se arriscado em ler e mergulhar nas minhas aventuras e desventuras, por rir e chorar comigo, por me incentivar, me empurrar, me segurar, me entusiasmar! Sigo tatuada e transformada, pela dor, pelo amor, por este blog, por mim e por você...!

quinta-feira, 1 de março de 2012

Santa fé, santa paciência!


Eu na eminência de retornar a Toulouse para tentar fechar mais um ciclo desta turbulenta vida. Difícil mesmo é não ter a certeza de que as coisas vão acontecer até alguns meros minutos antecedentes a elas. Assim o planejamento, a organização e porque não dizer, a motivação, parecem ir se esgotando e gotejando. Realmente, dois meses estão para Mariana assim como dois anos estão para a Ciclana. Cada capítulo um ou milhões de acontecimentos, cada semana uma ou centenas de reviravoltas, cada mês tantas histórias e tantas dúvidas. 
Início do caminho de Santiago - Espanha/2008
Sem entrar muito no juízo religioso, vou me ater a alguns sentimentos borbulhantes no momento. Sou católica, batizada e catequizada. Não porque meus pais me obrigaram, ou porque eram adeptos e me levaram. Não. Eu pedia à minha avó para ir a missa com ela, para me matricular no catecismo, para me ensinar o credo e a ave-maria. Inclusive, ouvi da minha biza, aos 12 anos que eu tinha vocação para seguir os passos de santa Mariana (uma menina que se tornou freira também nessa idade). Contei para meu saudoso paizinho e logo depois fui matriculada no jiu jitsu. Ok, segui a vida e canalizei minhas vocações e atributos em outras atividades nem tão "puras e canonizadas", mas “de bem”. E sempre "caminhei com fé", valorizando os momentos de alegria e me preparando para os frequentes furacões.   Mas hoje, venho por meio deste, fazer uma confissão, fora da igreja e longe dos padres.

Estou com medo. Medo de perder a fé.

Eu sei que o tempo de Deus (como dizem os que Nele acreditam) é diferente, que quando você acha que não vai aguentar, uma força estranha, vem e deve ser de lá. Também sei que não adianta tentar entender e perguntar "porquê", mas "para quê" e por aí vão os saberes populares, religiosos aos quais a gente se apega, muitas vezes só para ter algo a se apegar. O problema é que nos momentos difíceis todo mundo quer te dizer alguma coisa, na urgência de te ver bem. E aí, muitas dessas pessoas não percebem que economizar palavras nessa hora pode ser muito mais útil e confortante. Só a companhia, o estar ao lado ou segurando no colo, já são mais do que suficientes. Então, por favor, não me venha com esse papo de que Deus não nos dá um fardo maior do que podemos aguentar. Mesmo que seja verdade, ou que você acredite com todas as suas forças, eu te suplico: não me fale mais isso.
Exausta, até as vacas estavam mais dispostas

Como não pedir a Ele explicações sobre o tamanho e o kilos dos benditos fardos? Onde está o manual “Aprenda a lidar com seus fardos em 5 semanas”? Ta bom, que sejam 30 anos, mas a vida inteira para saber O QUÊ fazer com eles não seria demais?
Mais uma confissão: essa semana eu anunciei, Aqui jaz uma pessoa paciente.
Outra confissão: eu amo esses fardos. Amo de verdade e tudo que fiz até hoje foi movida por esse amor.
Uma explicação: na fase atual estou me referindo à minha irmã, que tem síndrome de Rubisntein Taybi, é mais inteligente que eu e a família inteira, está triste e desmotivada a viver. Não quer ir para escola, cuidar da diabetes, se divertir, seguir em frente. Desde que chegamos em Campinas sua razão de acordar para mais um dia é ver a agradável novelinha dos Rebeldes.
Outra explicação: me refiro também à minha mãe que desde a separação do meu pai (há uns 10 anos) desistiu completamente de viver. Suas razões para acordar são a falta de calmante para continuar dormindo. E quando acordada suas maneiras de fazer o dia passar são me ligando 30 vezes por hora, dizendo as mesmas coisas e pedindo tudo que não faz sentido.

Peregrinos amados 

Portanto, essas duas explicações juntas resumem meu dia-dia e minha incansável tentativa de fazê-las querer voltar a vida, cada uma do seu jeito. E eu venho tentando, pedindo ajudas e aceitando também de todos os lados e religiões. Mas essa semana, quando ainda fui bombardeada por advogados me coagindo a confessar, não pecados, mas dívidas que não são minhas, eu pensei...Vou jogar a toalha. E nessa hora, fui lembrada que se eu fizer isso, posso ser judicialmente indiciada por abandono de incapazes. Uau, emocionante, não é mesmo? A justiça é surpreendentemente... “justa”!

Entre uma reza e um choro, um pecado e uma confissão, uma benção e um castigo, eu juro, que temo fraquejar. Mas imploro de joelhos que a fé não me deixe, que a paciência ressuscite ao terceiro dia e que o amor resista ao peso inexplicável das cruzes.



As fotos do íncrivel e longo caminho de Santiago realizado em 2008 ilustram religião, força física e psicológica na companhia de pessoas muito especiais. Qualquer semelhança com o momento atual não deve ser mera coincidência.