O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

quarta-feira, 23 de março de 2011

A Bazuca que tocava MPB


Como essa viagem foi um pouco longa, tenho várias estórias marcantes, resolvi então dividir por cidades visitadas, assim não fica muito chato pra que estiver lendo...
Pragua: sem dúvidas uma das cidades mais lindas que já vi, medieval com nuances góticas, impecável, limpa, romântica...Ok. Mas uma coisa me surpreendeu: o número de turistas...Acredito que ela é mais frequentada que a Disneylândia em Julho (nunca estive na Disney em época nenhuma, mas a imagem que visualizei foi essa). Em Março, na teoria, baixa temporada na Europa, entretanto, turistas por todos os lados...Felizes os inúmeros japoneses que estavam por lá e não em sua terra natal, by the way, minhas sinceras condolências. 
Nesta cidade fui roubada duas vezes: a primeira, um pickpocket que levou minha grana sem que eu pudesse perceber; a segunda um assalto à mão armada que me trouxe forte carga de estresse. Acalmem-se que explicarei agora. O bendito pickpocket foi o garçom de um restaurante que oferecia menus bem baratos para viajantes econômicos como nós, assim entramos,  e o curiosamente sorridente garçon, nos atendeu. Pedimos dois “gulash” prato típico de la (uma carne com molho e pão) e duas cervejas, afinal estávamos na terra pilsner. Depois de perguntar de onde éramos, o garçon, que mostrava cada vez mais os dentes, começou a oferecer coisas típicas, até que finalmente, meio que para agradá-lo, aceitamos uma dose da tal bebida famosa que é boa para a digestão. Não gostei e nem tinha muito o que digerir, ô pratinho sem vergonha...Aceitamos o café no final, esse sim ajudaria se não fosse tão fraco...Final do roubo: somando a maldita bebida, o café e a gorjeta de 20% (aparentemente obrigatória) gastamos o triplo do preço do menu...Nesse almoço foram-se os eurinhos de outras 3 refeições pelo menos. Não contentes com o habitual próprio mau humor, nos deixaram de cara amarrada também. 



Detalhe ao fundo: o tcheco estudando a extorsão



Mas nós estávamos em Praga, não podíamos fazer cara-feia! Pela noite então, fomos para o roubo número 2: escopeta na mão.
---- Olha que gracinha esse restaurante, tem música ao vivo, violão, violino, violoncelo! (Disse eu com a entonação de quem viaja e acha tudo o máximo)
---Vixe, mai deve sê caro dimais, sô, e nóis já gastamu tudo naquele tcheco viado! (Disse Véi em seu mineirês)
---Poxa Loro, vamos, vai ser legal, pra esquecer o almoço!!
Pronto, um charminho e tudo certo, entramos no restaurante. Poucas pessoas, sentamos perto da música, cerveja boa (mais um litro), até que...O violinista começou a chegar muito perto de nós para tocar...Eu rindo, o Véi fingindo que o cidadão não existia. Mas aí ele perguntou de onde éramos (será que se eu falasse que era do Japão ele teria compaixão? E chilena após o caso do mineiros? E da Líbia, Egito...?) Vai dizer que é brasileira...ele começou a tocar bossa nova...e eu com saudades tupiniquins abri mais e mais sorrisos...Mas de repente, eis que o violino, tão manso e inofensivo se transforma numa bazuca apontando para mim e eu desarmada, não sabia o que fazer...Tinha uma nota de 200 cacetinhos no violino e ele não pararia de ressucitar o Tom Jobim enquanto eu não colocasse outra nota lá...nem num baile funk eu ficaria tão assustada. Os tchecos só me faziam pensar: violino na cara e mãos ao alto, se não todos vão ficar te olhando e te fazendo acreditar que você não valoriza a música tcheca! Enquanto eu era assaltada o Loro, numa crise de ausência que só a neurologia mineira explica, se absteve da situação...Numa calma, tranquilidade...Eu em respeito a ele, roxa de vergonha, comecei a fazer o mesmo, até que outros colegas turistas entrassem e tirassem o foco do casal bossa nova....A sensação foi de assalto, mas dessa vez o dinheiro ficou na carteira!

Planeta Leste




Sim, estar no leste europeu é sentir-se em outro planeta. Apesar de ter tido a oportunidade de conhecer várias pessoas dessa origem, eu não imaginava que me sentiria tão diferente, tão estranha, tão...gentil. Isso mesmo, educada, simpática, sorridente, chamem do que quiserem. As pessoas que não te conhecem, parecem se irritar com você, seja porque você não fala o idioma



 simples e musical deles, ou por você ter uma dúvida e precisar de sua ajuda. Eu juro que comecei a me perguntar se estava descabelada demais, com mal hálito ou desodorante vencido...às vezes antes mesmo de abrir a boca, uma cara feia me recebia, um sorriso nunca, bom dia ou obrigada, muito menos. Foi esta a primeira impressão do planeta leste. Entretanto tive o prazer de estar por alguns dias com duas famílias eslovacas que me mostraram o “lado oeste” do leste...Eles: nenhuma palavra em português, nós: nenhuma em eslovaco. O Inglês também não era um idioma comum para todos. Resultado: conversamos sobre todos os assuntos, diferenças culturais, gastronômicas e afins por horas e horas (o Google tradutor e imagens era o nosso maior mediador). 
Me espantei com tantas curiosidades que eles tinham sobre o Brasil, esclareci também que apenas as mulheres que desfilam nas escolas de samba ficam sem roupas no carnaval, as outras costumam cobrir pelo menos o básico. Mostramos pão de queijo, escondidinho e cachaça e enquanto isso tomávamos hurskovica e becherovska e comíamos langos e palancinka. Balanço final: o riso é um idioma universal e sim, os habitantes do planeta leste podem rir, te tratar bem e serem muito acolhedores, só precisam te conhecer... Como eu não tinha tempo para ser a melhor amiga das atendentes das padarias, estação de trem e museos, continuei me perguntando o que havia de errado comigo e minhas tentativas de desejar um bom dia àquelas pessoas...

quinta-feira, 3 de março de 2011

Abraçai- vos uns aos outros e a mim também

Diante da aproximação do carnaval e minha ida ao cinema para assistir ao filme 127 horas, queria registrar aqui que passaremos o mais esperado feriado brasileiro (na minha singela opinião de foliã) em Toulouse, sem grande expectativas de escutar batuques ou trios elétricos, talvez a Edith Piaff cantarolando nos rádios do metro... Sendo assim, para aqueles que ainda não assistiram ao filme, vale a pena avisar a alguém onde estarão se descabelando no carnaval. Eu ainda não sei onde vou estar, mas de certo estarei incomunicável, pois mudei de casa e não tenho internet nem telefone e a universidade estará de férias. Vejam: férias obrigatórias, que coisa desagradável, vou ter que viajar!

Tive uma semana cheia de mudanças e transcrições dos dados (entrevistas em francês). Agora morando no centro tudo fica mais fácil (e caro também), mas parece valer a pena. Com quase dois meses de distância do Brasil comecei a reparar em como as pessoas se cumprimentam. Sempre com dois beijinhos que começam do lado contrário ao que estamos habituados, várias vezes deixo alguém no vácuo, acostumada com o econômico beijo que damos no estado de SP. Porém, apesar da economia, esbanjamos abraços no Brasil. Às vezes no primeiro encontro com alguém já abraçamos a pessoa, seja por amigos em comum, por uma afinidade qualquer, seja para se despedir. Nem acredito que isso seja uma banalização do abraço, mas provavelmente uma necessidade peculiar brasileira em sentir as pessoas de verdade. Me lembro quando morava na Espanha, o meu melhor amigo (espanhol) sempre dizia que quando eu me despedia das minhas saudosas amigas brasileiras, parecia que nunca mais nos veríamos...E essa cena se repetia cotidianamente. Enfim, abraçar os amigos é como comer um mousse de chocolate numa patisserie françesa, cura até depressão!


Dito isto, me peguei certo dia calculando há quanto tempo não abraçava alguém, que não fosse meu noivo amado...E isso me levou a todos os abraços que dei antes de deixar o Brasil. Ai... lembrar do aperto que meu pai me deu no último segundo que restava na fila de embarque e ver seus olhos brilhando e boca tremendo...que alegria poder ter sentido isso! Poderia ficar linhas e linhas desenhando cada abraço que dei, e isso realmente me faz  muito bem.

O cálculo final do abraço seria zero, se por um instante eu não me lembrasse quantos novos amigos eu tenho abraçado no Jiu Jitsu aqui!! Tudo bem, são abraços que possuem a finalidade de subjugar o oponente, mas são abraços!