O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

É proibido segurar as vacas



Primeiro post do ano, meses sem postar, quantas palavras deixei passar, quantas histórias sem contar. Ficaram para trás, eu fui em frente e agora vejo em minha frente o papel em branco começando a ser tatuado por aquilo que meus dedos não se impedem de gravar. Reporto-me a um poema de Neruda, enviado por uma amiga que exala a vida. Segundo eles é proibido fazer muitas coisas, entre elas, "esquecer aqueles que gostam de você, ter medo de suas lembranças, chorar sem aprender, é proibido esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos desencontraram, é proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar..." e as proibições continuam num fluxo infinito de reflexões sobre passado, presente, futuro, sobre os presentes que nos deixa o passado e o como eles podem continuar presentes em todos os futuros. Aquilo que não escrevi, posso te contar de muitas maneiras, sempre com a essência estrábica do meu pensamento, na tentativa de não cultivar o "tempo sem tempo" ao qual se referem os espíritas. Sendo assim, se existe um tempo e a dona dele sou eu, nada melhor do que poder sentar e dar vida ao papel pálido, ao blog abandonado e aos leitores silenciados.
Depois do último post fúnebre e sarcástico, me parece uma obrigação falar da continuação do ciclo, dessa vez não citarei as resoluções do ano, mas as mudanças e transformações, as quais não me proibi de viver. Inevitável falar de dor. Dói mudar. Dói cortar aqueles cinco dedos de cabelo, dói arrastar os móveis, lascar o espelho, dar aquela calça que não cabe mais. Dói deixar os laços do último emprego para trás (no caso de quem conseguiu cultivar boas relações), dói se desfazer dos bens de quem já se foi, dói não ver aqueles amigos todos os dias. Dói trocar o kimono velho, não lutar no mesmo tatame. Dói ver sua família só pelos retratos, dói perder pedaços. Não é proibido sentir dor, quem sente dor tem compaixão, empatia e amor, só sente dor quem ama. Nesse caso a maior proibição é para não cuidar da dor. É proibido conviver com a dor. Por isso a mudança, para que não se torne um hábito sofrer de dor.
Nesses meses eu vi como a vida pode mudar. E como as nossas mudanças são capazes de mudar a vida de quem cruza, não por acaso, nosso caminho. Cito a história do filme argentino (Um conto chinês) que ainda não vi, mas escutei falar mais de uma vez essa semana, acredito que também, não por acaso. Um chinês prestes a ficar noivo num cenário perfeito, quando uma vaca, sim, a Dona Mimosa, cai do céu e mata sua noiva. O pobre chinês, vítima do animal volante, se vê na argentina e sua vida muda completamente, assim como a das pessoas que com ele se relacionam. Deve ser no mínimo curioso assistir. Uma das explicações que recebi é que depois do filme você é levado a compreender que ver a esposa do boi cair celestialmente, pode ser mais normal do que se imagina.
E quantas mudanças eu poderia detalhar aqui! Desmanchei um longo noivado (no meu caso não foi culpa da vaca), minha irmã está namorando (com planos de se casar em 2019), minha mãe disse que vai procurar um trabalho (espero que durante o dia e sem nome de guerra) e eu estou me adaptando e tentando me descobrir depois das mudanças físicas e sentimentais. Não vou dizer que elas são como a água, inodoras, incolores e insípidas, muito menos indolores. Mas me proibido dizer que são ruins, me proíbo impedir que aconteçam, me proíbo olhar pra baixo, me proíbo enrijecer. E me permito... tatuar papéis e pensamentos, olhar nos olhos e “no” céu, para compreender as tempestades e possíveis vacas que vem de lá.