O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Paris e a liberdade de Zenaide

Conheço muitas mulheres fabulosas, a começar pela minha saudosa avó, uma infinidade de bondade e amor. Poderia falar da minha psicóloga e sua sensibilidade, exuberância e inteligência. Ainda falaria das minhas tias e suas peculiaridades, como o companheirismo, o caráter, ou até mesmo de grandes amigas e lições que me ensinaram. Mas hoje falarei de Paris e de Zenaide.
Num súbito convite para subir ao norte da França em sua singular capital, Zenaide decidiu me acompanhar em mais aventuras franco-brasileiras. Cheguei sozinha, já espertinha com os trâmites franceses de transporte e afins, o problema notei ao me aproximar do hotel: escolhi o pior bairro para me hospedar em Paris (obviamente o preço foi o critério de seleção). Ainda há aqueles que digam que Paris é toda linda, por onde você passa se apaixona. Se eu estivesse indo pela primeira vez, terminaria o namoro com a cidade luz por ali mesmo. Mas você está em Paris, portanto releve esse bairro sujo, horrível e sem calçadas, passe por quarenta estações de metrô e desça na Champs Elysées, reclamona! Foi exatamente o que fiz e entre passos e espaços esperei Zenaide chegar.
 Eu e Zenaide trabalhamos na mesma universidade no Brasil e agora ela estuda em Portugal. Lembro-me da primeira visita que nos fez depois de um ano no luso-doutorado, ela parecia "Tiêta do agreste" voltando para a terra natal, cheia de ouros, cabelos ao vento, casaco até o joelho e poder, muito poder. Sempre achei Zenaide poderosa. Um jeito único de olhar a vida, como se tivesse aprendido incontáveis lições a cada ano de suas primaveras, uma independência, uma alegria, uma loucura antagônica, ela pode ser livre, apaixonada, comprometida, calada, não importa, Zenaide contagia com a leveza de seus sorrisos e profundidade do seu olhar.
Me imaginem então, encontrando Tiêta, já há umas 6 horas sem conversar com alguém (uma eternidade para uma pessoa como eu), sobrou muito assunto e Paris, aqui entre nós, ganhou ainda mais brilho, ficou, segundo Zenaide, fabulosa!  Até o bairro sem-vergonha deixou de chamar atenção ao receber a "Liberdade de Zenaide". E ela me consolou em todos os momentos difíceis, fosse na compra errada, no quebrar o que acabara de comprar, fosse ao perder um pedaço do dente cortando uma etiqueta, sempre ouvia Zenaide e o lado leve e positivo de ver os acontecimentos. E assim pode ser Paris, tudo que se vê nos filmes e ainda também, o que não se vê. Sigo enfatizando o valor das pessoas ao nosso lado, as cores mudam, nós também. Só lamento Zenaide ter partido antes e não me consolar no momento em que besuntei minha boca com um gloss (presente da minha "vaidosa" irmã) e acabei bebendo perfume. Hálito exalando flores e eu cuspindo pelas ruas parisienses. 

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Nove meses de almoço: a história da Maria


Muitos amigos meus diriam que eu sou uma pessoa tranquila de conviver, alguns me acham meio boba quando relevo demais as coisas, já outros se divertem com meus comentários em relação a algumas situações na vida...E por aí vai, a cada dia uma Mariana. Hoje acabo de me irritar. Percebi que os franceses tem pouca memória a curto prazo ou fingem que tem. Pois veja, outro dia saí feliz do almoço porque acreditava ter encontrado companhias para saborear diariamente a cuisine francesa de 3,00 da faculdade. E eu me julgo uma pessoa fácil de fazer amigos, que venham os amigos, sem nenhum preconceito de religião, cor da pele, preferência sexual, o bom mesmo é conhecer as pessoas e se modificar com o que elas te proporcionam. Ok, dentre esses tais novos amigos por exemplo, havia a Maria, a mais comunicativa. Me identifiquei com ela, principalmente porque ela também puxava assuntos, e não era só eu a brasileira esquisita que ficava fazendo perguntas. Porém, o que ninguém percebeu foi a dificuldade que eu tive em entendê-la. A Maria é uma negra linda, com um sotaque próprio dos franceses negros (quase um dialeto) e pra piorar a prova de compreensão oral, a garota era gaga. Sim, um baita de um sotaque estranho e ainda emperrava ao falar as coisas. Mas eu sou tolerante e mesmo quando queria adivinhar o que a Maria falava, eu me continha, porque sei que normalmente a gente erra e irrita o gago. Só a título de contextualização, a Maria é funcionária da faculdade onde está o meu laboratório e como meu diretor de tese já é aposentado, eu fico bastante sozinha durante o dia e a hora de fazer novas amizades é o almoço. Claro que eu conheço algumas outras pessoas, professoras pesquisadoras no mesmo departamento, elas já são um pouco mais velhas, devem ter netos ou bisnetos, mas mesmo assim eu gostaria de almoçar com elas. Entretanto meus caros, acho que a recíproca não foi verdadeira. Agora pouco, quando fui sozinha almoçar, servi meu singelo pratinho com pato, batatas e cenoura, procurei alguma cara conhecida no refeitório, e tudo que minha visão míope me permitiu enxergar foi a Maria numa mesa toda ocupada. Me sentei sozinha a observar o movimento, quando entram pela porta (pela janela é que não ia ser) as duas professoras que descrevi acima, uma mais cheinha a outra bem magrinha, acenam pra mim e vão se servir (nessa hora pensei, ótimo, terei companhia) logo me levantei e fui encher uma garrafa d’água para nós três, melhores amigas. Coloquei a água sobre a mesa e então: as duas reumáticas passaram por mim e se sentaram na mesa mais distante da Mariana, porém perto da Maria. Como assim? Elas não me conhecem, não se lembram de mim? Queriam contar algum segredo entre elas? Talvez eu nem entendesse o francês arcaico que utilizariam. Ah, droga, sim, comi todo meu pratinho sozinha, me levantei e ao abrir a porta para sair, eis que vejo Maria e o máximo que ela faz é me olhar e dizer: Sa-Salut! Complicado entender os franceses, eu celebro hoje meus 9 meses aqui, esperando dar a luz à pelo menos novas companhias para o almoço.