Num súbito convite para subir ao norte da França em sua singular capital, Zenaide decidiu me acompanhar em mais aventuras franco-brasileiras. Cheguei sozinha, já espertinha com os trâmites franceses de transporte e afins, o problema notei ao me aproximar do hotel: escolhi o pior bairro para me hospedar em Paris (obviamente o preço foi o critério de seleção). Ainda há aqueles que digam que Paris é toda linda, por onde você passa se apaixona. Se eu estivesse indo pela primeira vez, terminaria o namoro com a cidade luz por ali mesmo. Mas você está em Paris, portanto releve esse bairro sujo, horrível e sem calçadas, passe por quarenta estações de metrô e desça na Champs Elysées, reclamona! Foi exatamente o que fiz e entre passos e espaços esperei Zenaide chegar.
Eu e Zenaide trabalhamos na mesma universidade no Brasil e agora ela estuda em Portugal. Lembro-me da primeira visita que nos fez depois de um ano no luso-doutorado, ela parecia "Tiêta do agreste" voltando para a terra natal, cheia de ouros, cabelos ao vento, casaco até o joelho e poder, muito poder. Sempre achei Zenaide poderosa. Um jeito único de olhar a vida, como se tivesse aprendido incontáveis lições a cada ano de suas primaveras, uma independência, uma alegria, uma loucura antagônica, ela pode ser livre, apaixonada, comprometida, calada, não importa, Zenaide contagia com a leveza de seus sorrisos e profundidade do seu olhar.
Me imaginem então, encontrando Tiêta, já há umas 6 horas sem conversar com alguém (uma eternidade para uma pessoa como eu), sobrou muito assunto e Paris, aqui entre nós, ganhou ainda mais brilho, ficou, segundo Zenaide, fabulosa! Até o bairro sem-vergonha deixou de chamar atenção ao receber a "Liberdade de Zenaide". E ela me consolou em todos os momentos difíceis, fosse na compra errada, no quebrar o que acabara de comprar, fosse ao perder um pedaço do dente cortando uma etiqueta, sempre ouvia Zenaide e o lado leve e positivo de ver os acontecimentos. E assim pode ser Paris, tudo que se vê nos filmes e ainda também, o que não se vê. Sigo enfatizando o valor das pessoas ao nosso lado, as cores mudam, nós também. Só lamento Zenaide ter partido antes e não me consolar no momento em que besuntei minha boca com um gloss (presente da minha "vaidosa" irmã) e acabei bebendo perfume. Hálito exalando flores e eu cuspindo pelas ruas parisienses.