O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A vesga do rastapé



“Me amou por 15 meses e 11 contos de reis”. Brás Cubas por Machado de Assis já havia muito bem retratado os vínculos do amor e como duram, considerando principalmente os interesses de quem ama.  


Porque é assim mesmo, tem gente que ama por interesse e prazo de validade. Eu não julgo mais. Eu sou sem vergonha, sem juízo, sem regra, ando vagando cheia de amor, ora compreendida, ora mal interpretada. Acordei meio poética, provavelmente pelos encontros desses dias…

Estive essa semana toda em Natal entregando um projeto lindo de desenvolvimento de esportes paralímpicos e como sempre nesses eventos tenho a sorte de reencontrar pessoas que amo, amigos de data indeterminada, cujo amor desconsidera interesses e cujos abraços me emocionam. As idas ao mar, o pé misturado no sal e na areia certamente contribuem para essa energização intensa e ameniza a saudade do pequeno bolota talibã.
Ontem, para encerrar minha estada em Natal, fomos à um forró. Dançar lava a alma e espanta as ziqueziras e assim estava eu, disposta à adorada diversão entre amigos. Eis que me sento um pouco para esperar a nova banda tocar e um rapaz rechonchudo se aproxima de mim e diz: você é vesga! Eu olhei ao meu redor e desconfiei que alguém havia contado meu segredo para o coleginha, ninguém se manifestou. Priscila riu e eu, inconscientemente esperava dele qualquer coisa, uma cantada, um elogio, um convite para dança, mas nunca, nunca o reconhecimento dos meus olhos incongruentes! Pobre menino, sem amor ao dentes, saiu de perto de mim quando meus amigos cara de mau se aproximaram.

Adoro quando as pessoas notam minhas características únicas e especiais. Melhor ouvir isso que uma cantada barata embebida no álcool ou na falta de educação e noção. 

Viajar tem suas curiosidades… e como é diferente viajar sozinha com um livro de viajar sozinha com um bebê estiligue a tira colo, como fiz semana passada. Em tempos de guerra no mundo, ressalvo a compaixão que as pessoas apresentam às mães sozinhas com filhos no aeroporto. À título de registro, também garanto que nossa senhora das bolsas abandonadas olha por nós quando saímos correndo atrás dos pestinhas sem freio. Mães abençoadas. Como são fortes, descoladas, amorosas...   


Com essa plenitude materna, afogada pelo peso da tensão do meu trapézio, entrei no avião para São Paulo, me sentei com Francisco e peguei uma revista da companhia aérea para distrair o homenzinho. Logo de cara me aparece uma matéria com o português de sotaque carioca fortemente cobiçado no Brasil, antes mesmo de começar a ler, Kiko em alto tom de voz masculina diz: papai! E eu pensei, nossa, Mauricio vai se achar, se merecer dou essa moral pra ele...o puxa saco repetiu a cena por mais 3 páginas de fotos do sósia de seu pai e eu pensava, ok, deu, perdeu a graça, vamos achar a mamãe na revista!  



Enchi o peito e mudei de página, hum Cléo Pires, fiz uma pausa, disse filho, olha que linda! O moleque em silêncio me força a trocar de página. Ok, próxima folha, duas modelos lindas, da victoria secrets, a marca de yogurtes favorita do favelinha. Pausei novamente. Os cabelos eram compridos e sedosos iguais aos meus (a-ham), tom de pele parecido, eu só precisaria de um pouco mais sol, enfim, pensei, agora ele vai falar mamãe, encontrei a mamãe na revista.

Uma ova, mais silêncio, ele tentando rasgar a página enquanto eu lhe oferecia mais tempo para pensar e reconhecer nossas carcterísticas em comum, eu e Isabel Goulart, gêmeas praticamente. Desolada e sem outras esperanças, deixo meu bebê ler a revista à vontade e ele continuou a acareação, reconhecendo a cocó azul e a porquinha arrogante,  Pegga pig.
Mas de repente, ao contemplar a paisagem pela janela, ouço o projeto de delinquente dizer: mamãe, mamãe, apontando para a bendita revista. Quando olho, me procuro e me encontro, numa mulher de seus 50 e vários com um vestido de muçulmana, tocando violão. Adriana Calcanhoto!!
Fechei a idiota da revista e liguei a pentelha da galinha pintadinha. 


É isso que dá, você sai espalhando amor e o universo, por alguns dias e quatrocentos contos de reais (valor da minha passagem) te devolve bullying!