O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Palavras estrábicas, olhos que falam


E disse Liesel: “Eu amei e odiei as palavras” terminando a história da “Menina que roubava livros” e que se apegou às palavras para sobreviver às destruições da segunda grande guerra. Mesmas palavras que Hitler, o fuhrer, utilizou para conquistar sua fanática, suástica legião. Mesmas palavras que eu uso para chegar até você ou à mim mesma. Ora perdidas, ora amarradas, ora barulhentas, ora caladas. As palavras.
 Acho que como Liesel, eu sempre me apeguei às palavras, talvez uma explicação para eu gostar tanto de aprender outras línguas, escrever cartas, falar pelos cotovelos (escrever um blog!). Me lembro do pequeno príncipe dizendo que a “linguagem é fonte de mal entendidos” e quiçá por isso muitos escolham falar com o corpo, com as mãos, com os olhos.
 Os meus olhos por exemplo, costumam ser notados pelos outros. Não por sua cor, embora minha mãe pudesse ter sido mais generosa e me transmitido os genes da cor azul, ao invés da tendência à celulite. Também não é pelos cílios grandes e penteados que não tenho, nem por serem olhos grandes e avassaladores ou número 43. Meus olhos são pequenos, franzidos e...sim, tortos. Sou estrábica, mas muita gente (os inconvenientes) me chama de vesga. Talvez você nunca tenha notado, mas isso é curiosamente real.
A minha mãe, pessoa muito preocupada com a beleza desde minha infância, implicava com várias coisas em mim e assim eu usava pregadores de roupa para afinar o nariz, calça pantalona para esconder o bumbum grande e as pernas finas, botinha de chumbo para desentortar os pés, tênis 2 números menor para disfarçar o formato adolescente L, camisa até o joelho e 3 tubos de pasta d’agua para não ficar negra na praia. Até o dia em que ela se superou e me levou ao médico, cismando com meu estrabismo. E eu pensando porque raios não nasci mais bonitinha, ia ganhar várias horas jogando queimada, assistindo Indiana Jones, comendo pão de queijo...
---Olha doutor, presta bem atenção nos olhos dela (meus olhos nessa hora diziam: é agora! Vou assassinar esses dois!), são tortinhos não são?
E eu olhando de um lado para outro, imitando a Monalisa com fome, até que o tal do doutor emite o diagnóstico.
---É...me parece que um olho está atrasado em relação ao outro, como se demorasse mais tempo para chegar ao mesmo lugar. Eu só pensei: tá! E daí?--- Ele complementou: 
---Então ela precisa exercitá-los para que eles se sincronizem. Continuei pensando: Como? Com música, seu infeliz?
E horas depois estava eu em casa, frente ao bendito, maldito espelho com uma caneta na mão, diante do rosto, seguindo-a de um lado para o outro, prestes a enfiá-la em um dos meus olhos ou nos de quem me visse fazendo aquilo.
O que há de errado em um olho chegar um pouquinho mais tarde que o outro? Enquanto um se desespera vendo o mundo desabar, o outro pode ainda estar aproveitando a última paisagem.
Eu até vejo um lado bom em tudo isso (só não sei qual olho vê primeiro). Acho que no fundo, são esses tais olhinhos dessincronizados que hora ou outra são conquistados, hipnotizados, encantados, emocionados quando saem conversando por aí. São esses olhos confusos que se apegaram às palavras do papel e do olhar, para tentar enxergar no outro uma beleza maior que um nariz empinado, um olho azul ou um pé de princesa.
E com eles dois ao mesmo tempo, eu olho para essas palavras fixamente, na ânsia de dizer um dia, que elas me salvaram, ainda que como Liesel, eu já tenha odiado palavras e olhos alguma vez.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Reflexões de um faixa-preta

Quem sou eu para questionar os caminhos da vida? Para pedir que ela vá mais devagar, acelere, vá sempre na mesma direção, faça uma curva ou não avance um sinal? Uma Zé ninguém mesmo! Às vezes naquela hora de deitar a cabeça no travesseiro eu peço, juro que peço, para não ter que tomar decisões precipitadas, para não deixar a tristeza me vencer, para sempre fazer o bem ou ao menos ter força para tentar. Mas na real, não sou eu quem programa o GPS da vida. Eu acho que na verdade, ela faz o que quer da gente, ora com uma folguinha para respirar, ora te estrangulando até você bater. E olha que eu sou daquelas que prefere dormir à bater nessa hora. Mas outro dia na academia, enquanto lutava com um faixa-marrom super invocado, ele pegou meu pescoço e eu fui enlouquecendo por dentro para sair, até que comecei a ficar roxa e nem as mãos encontrava para bater. Moral da história: bati com os pés, quase dormi no tatame e saí sem conseguir olhar pro lado de tanta dor. Me perguntei porque não bati logo que começou a doer? 
E te respondo com segurança: Por que às vezes, na ânsia de teimar com a vida, a gente ultrapassa nossos limites até se machucar! Mas, nada como se render por alguns momentos, esperar a dor passar e partir pra cima do próximo adversário. Lições de uma faixa-preta meio aposentada, mas ainda entusiasmada para pegar muitos braços, pernas e pescoços, não só no tatame.
E esse negócio da vida ir passeando desvairada e imprevisível é em algumas ocasiões um pouco trágico, engraçado e porque não dizer, até emocionante. Como a luta e suas reviravoltas, nada como sair dela com a cabeça erguida e a sensação de se dar o sangue, mesmo batendo às vezes.
Posso dizer que me encontro um pouco assustada com o trajeto dos últimos meses e angustiada com o percurso, sem saber onde vou chegar e porquê estou indo. De qualquer forma, sigo tentando ver as flores no caminho, pronta para finalizar ou ser finalizada outra vez.