O Blog

No começo eu só queria contar detalhes da minha vida em Toulouse para minha família e amigos curiosos. De repente comecei a ter necessidade de escrever, foi nascendo um diário de crônicas, foram surgindo seguidores, leitores, a vida foi tomando outro curso. Após 1 ano e quatro meses na França, idas e vindas para o Brasil estou diante de mais um ponto de bifurcação, voltando às minhas origens para dar continuação ao blog e a vida. Você está convidado a participar desses próximos capítulos e a se perder e se encontrar nessas novas estradas estrábicas.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Habemus 30

Tenho 30. Sim, 30 anos. Ontem não foi meu aniversário, nem será amanhã, já foi há 8 meses inclusive, mas acho que agora estou realmente me sentindo uma mulher de 30. Não pelos fios brancos (incrivelmente inexistentes até agora), não pela marcas de expressão que já aparecem, não pelas adoráveis celulites que me acompanham, nem pela imensa vontade de ser mãe. A ficha está caindo agora, quando estou tentando digerir a ideia de que minha irmã mais nova e única pretende se casar.
Ok, para algumas pessoas isso pode parecer perfeitamente natural, a irmã caçula se casar antes da mais velha, qual o problema? Nenhum, se não fosse a Fabi. Para contextualizar vou tentar resumir os 28 anos de existência da minha irmãzinha em algumas linhas. Ela nasceu quase dois anos depois de mim, meus pais eram casados, nós morávamos no Rio. Minha mãe não tinha os hábitos mais saudáveis para uma grávida (um dia volto nesse assunto) e a Fabi veio ao mundo cheia de problemas respiratórios, dificuldade para mamar, reflexos lentos, até que após inúmeros exames e mapas genéticos, descobriu-se a síndrome de Rubinstein Taybi. Assim como a maioria das pessoas, meus pais, nem eu sabíamos o que isso queria dizer ou implicaria na vida da Fabi e nas nossas. Para eles o impacto de ter uma filha deficiente, para mim inicialmente, era vê-los com ela no colo para cima e para baixo, em médicos, hospitais e clínicas de reabilitação. Na prática isso implicava em pouca atenção pra mim. Foi aí, muito cedo, quando eu comecei a me virar "sozinha". Nós fomos crescendo juntas, ela descobrindo o mundo pouco a pouco e eu ajudando ora por vontade própria, ora obrigada por eles. Não posso negar que limpar a bundinha robusta da minha irmã, sobretudo na minha adolescência era bastante desesperador. Gritos de "Mary, já acabei!!!" a parte, cada passo dela era uma vitória, desde comer a comida sozinha, até a leitura da primeira palavra. Tudo era difícil pra ela e meus pais naturalmente não sabiam como educa-la. Entre a superproteção e o abandono cresceu a Fabiana.
Nós, como todos os irmãos, brigávamos bastante, dividimos o mesmo quarto até os meus 17 anos e ela tolerou pacientemente todos os meus posters do Leo di Caprio espalhados nas paredes. A convivência com a madrasta impulsionou a autonomia dela e uma revolta interior também, nem mesmo a música sertaneja era capaz de acalmar a Fabiana em momentos de fúria. Aí quebravam-se os óculos, as portas, os armários e claro, nossa paciência e nossos corações. Todos conviviam com suas nuances carinhosas e agressivas, mas a característica "inteligência" sempre foi muito marcante. Eu sempre me diverti dividindo as famosas pérolas da Fabi. Frases do tipo "Moço, me dá uma colxinha, uma espirra e um risólho (1991) "Não é possível agradar negros e coreanos" (2003) ou a última sobre filmes para adultos "Mary, ela colocou o pinto do homem na boca dela, que porca!”(2012), essas entre outras, são comumente proferidas pela minha irmã, que apesar da síndrome, conversa comigo de igual pra igual, ri comigo das abobrinhas da nossa mãe e claro, depois da partida do meu pai, depende emocionalmente e financeiramente de mim.
Desde pequena eu sabia que um dia isso poderia acontecer, mas sinceramente, não achei que seria tão cedo, assim...nos meus 30. Apesar da Fabi ter tido muitos amores platônicos (Zezé di Camargo, Junior da Sandy, Fábio da novela Jamais te esquecerei, Pedro dos Rebeldes) ela nunca teve um namorado sério e eu inocentemente ou ignorantemente achei que isso não aconteceria com ela. Péeeem! Engano meu!
Atualmente ela vive num residencial para pessoas com deficiência intelectual chamado Aldeia da Esperança, onde ela tem sua própria casa, seus amigos, seu trabalho e sim, seu namorado! Ela tem 28, ele 58 e ela me contou os números da idade dele como se contasse os dedos da mão ou quantos sanduíches acabou de comer, ou seja, espontaneamente, sem qualquer desconforto ou surpresa. Surpresa a minha ao saber, e ao ouvir a resposta dela "Mary, o amor não tem idade".
Fui conversar com ele sobre as intenções com minha irmã e registrei que sou do ramo do jiu jitsu, ele enfatizou que a ama muito e que vão se casar em 2019. Não entendi se é uma data cabalística, mas acho que é um tempo razoável para eles se conhecerem e avançarem aqueles sinais. A mãe dele (82 anos) me confidenciou que acha muita responsabilidade para o filho dela deflorar uma mocinha e eu me pergunto: Hã, minha irmã deflorada?!
Ok, eu juro estar tentando equilibrar o desespero e a emoção. Por ela estar crescendo e alguém querer por a mão nela.
Talvez a sensação dos 30 seja por perceber que ela também amadureceu e está seguindo sua vida, talvez isso deixe nosso passado só no passado, junto com nossa infância, com nosso pai. Talvez agora ela possa entender o que é ser adulto, talvez possa encontrar as válvulas de escape que nunca teve, talvez ela possa ter alguém que entenda sua história e que olhe para ela somente como uma linda mulher, talvez ela encontre a razão que muitas vezes pareceu perdida e alguém para compartilhar dessas razões.
Talvez 28, 58, 82 e 30 sejam só números e a sensação que estou sentindo agora, só coisa de irmão.